VERTIGENS DA REFERÊNCIA
SOBRE FORMAÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DE PAULO ARANTES
J.-P. Caron
Tendances au maquillage
Un regard désabusé
Qui cache l'écran ténébreux
Guerre Froide- « Ersatz »
I.
“Precisamos descobrir o assunto real que está em jogo.”[1]
Assim Paulo Arantes responde a uma intervenção de Bento Prado Jr., cuja transcrição é incluída em Formação e Desconstrução. O texto de Prado propunha um exame de um debate contemporâneo em torno do problema do relativismo na filosofia, abordado em sua vertente histórica a partir de uma interpretação de Protágoras, de sua reapropriação contemporânea por Richard Rorty e de um contra-ataque por parte do campo dito “absolutista” na figura de Karl-Otto Apel. Mais sobre isso a seguir, mas o que cabe enfatizar nesse momento inicial é o caráter central da pergunta feita por Arantes para o projeto do livro como um todo: precisamos descobrir o assunto real que está em jogo. Questão que tensiona precisamente o diálogo já tenso apresentado por Bento entre duas formas filosofantes de relativismo e “absolutismo”. A abordagem de Arantes pretende introduzir aqui um ponto de vista em algum sentido externo às imanências filosóficas em questão, tratando dos condicionantes sócio-históricos das soluções filosóficas propostas e examinadas no artigo de Bento Prado.
Giovanni Zannotti comenta no posfácio do livro acerca do período da produção intelectual de Paulo Arantes a que este livro pertence.
Os protagonistas dos capítulos deste livro- que incluem, além dos franceses, seus adversários e/ou correligionários alemães e norte-americanos- não apenas conhecem, em seguida, uma retificação parcial do juízo a seu respeito, como desaparecem tendencialmente da superfície das sondagens de Arantes em torno da atualidade, sem que seus descendentes passem a ocupar as mesmas posições; e isso poderia depender de nada menos do que uma ‘mudança estrutural e de função’ da ideologia, como um deles teria dito em outros tempos.[2]
Referência ao desaparecimento relativo do exame dos movimentos de ideias contemporâneas nas análises de Arantes após O fio da meada, período ao qual, a rigor, os artigos que compõem o presente livro pertencem. Essa primeira observação introduz um grão de sal ao que teremos a dizer sobre ele a seguir, e que recuperará alguns problemas propriamente filosóficos com o método, com o perdão da expressão herética em se tratando de Arantes, neste e em alguns outros escritos do autor. Mas o faremos na esperança de não cairmos em um diversionismo cujo fiador é a divisão do trabalho da qual advém a “disciplina profissional da filosofia”, segundo o próprio Arantes, mas sim como defesa de um certo conjunto de concepções que, acreditamos, podem ser recuperadas e reativadas em outros setores da experiência, a partir do exame dos sucessos e deficiências dessa obra.
II.
Formação e desconstrução aparece, portanto, atrasado, e foi recebido com relativo silêncio. É de se perguntar sobre as razões desse silêncio. Quem visitou uma certa rede social ainda antes de seu lançamento verificou uma marola de indignação com o “ataque” anunciado a baluartes do pensamento francês dito pós-estruturalista promovido pelo livro. Isto poderia indicar ao campo Arantiano um fator importante do nosso universo intelectual: o de que o atraso do livro acaba sendo, ainda, um acerto no alinhamento histórico, em algum sentido vindicando a tese central que Paulo Arantes vem defendendo, a partir de Roberto Schwarz e Antonio Candido, há décadas, qual seja, o da defasagem na adoção das ideias estrangeiras em território nacional, tornadas fora de lugar e ocasionando comportamentos enviesados com relação ao seu conteúdo real.
Já na expressão “comportamentos enviesados com relação ao seu conteúdo real” comparece algumas determinações. Primeiramente que as ideias supostamente deveriam ter um lastro, uma influência social real, ideia que Arantes recupera em Ressentimento da Dialética do momento do jovem hegelianismo em sua ambição de reformar a vida social e política. Mas ao mesmo tempo, o impulso de reformar pelas ideias já é ele próprio resultado de um malogro prático, da falta de influência real por parte dos intelectuais, cujo impulso compensatório toma a forma de uma atribuição de um poder de transformação social à ideia ela própria. Ou seja, o próprio conceito da ideia filosófica não teria estado à altura de si mesmo tornando-se efígie sem moeda, ideologia com função compensatória. Transplantado para a periferia, a falsificação é duplicada: se a pretensão à efetividade das ideias já era uma fabulação ideológica em sua forma original, na periferia o caráter ideológico das ideias é redobrado, enquanto símbolo de status social de uma classe que nem sequer pretende trazê-las à realidade.
No caso específico da “Ideologia Francesa”, conforme o livro insiste abundantemente, a sua recepção já vinha em certo sentido preparada pela aclimatação prévia do método estrutural de leitura de filosofia, particularmente na Universidade de São Paulo, conforme documentado no clássico Um departamento francês de ultramar. Ao mesmo tempo, o próprio atraso no consumo das últimas modas filosóficas vindas do centro produziria uma certa falta de continuidade no desdobramento dessas mesmas ideias na periferia, aberta sempre à adoção do último paradigma na tentativa de compensar o nosso complexo colonial. Descontinuidade aqui favorecida pelo conteúdo em questão, na própria insistência supostamente a-histórica presente nessa mesma Ideologia Francesa (a partir daqui a IF) - pertencendo ao próprio objeto a capacidade de integração sem muitas adaptações a essa descontinuidade histórica característica do desdobramento das ideias importadas na periferia.
Essa análise dos giros e translações das ideias em relação tensa com a base social que as sustenta/finge sustentar fornece um modelo de aproximação de toda a obra Arantiana na fase da qual a escrita dos ensaios que compõem Formação e desconstrução fazem parte. O que tensiona a busca pelo referente real dos discursos que adquirem roupagem ideológica no momento mesmo em que sua pretensão à verdade procura se estabelecer diretamente. Donde a metodologia ela própria enviesada, procurando encontrar seu lastro real não no conteúdo direto dos discursos sua efetividade, mas na função que adquirem ao pautar os comportamentos sociais, entendendo claramente “pautar” aqui não como a realização efetiva do conteúdo enunciado, mas como influência, inclusive de sinal trocado com relação ao próprio conteúdo enunciado, no interior de uma conjuntura determinada. Operação para a qual a figura operacional do “intelectual” é central.
O lance era o seguinte. Eu precisava mostrar que o hegelianismo tinha um pé na realidade, que o sistema hegeliano tinha um referente. Esse referente é o que todo programa materialista, programa de crítica da filosofia ou da ideologia, tem que ter, ou então você não é marxista para além das meras intervenções metodológicas. O elo que eu precisava para passar do sistema para a realidade era esse mix: a figura do intelectual, uma entidade sociológica pensante que formulava frases.[3]
É assim que os movimentos da IF são acompanhados no livro, particularmente no primeiro ensaio “Tentativa de identificação da Ideologia Francesa”, a partir de seu início na fase do Estruturalismo, maturação em torno dos pensadores que se seguem a Maio de 68, e transplante final para os meios intelectuais norte-americanos nos anos 80 e 90, momento que é tomado como a fase terminal da IF pelo nosso autor no momento em que escreve estes textos. Como diz Arantes:
Pois bem: um dos maiores lugares-comuns na interpretação do primeiro capítulo da Ideologia Francesa, o Estruturalismo, costuma associá-lo à grande onda modernizante da Quinta República gaullista, quando finalmente o capitalismo contemporâneo chega à Franca e com ele o torpor da sociedade de consumo. Na política interna, a calmaria que se segue ao fim da Guerra da Argélia irá acelerar a edificação do novo Estado Providência, enquanto no plano internacional a conjuntura de détente e expansão econômica, além de contribuir para desbloquear um país secularmente emperrado, reforçará no âmbito ideológico a impressão de que a história finalmente evaporara. Quanto a esta última construção mental, digamos que se tratava na verdade da projeção de um sentimento com forte apoio local, a sensação de que quanto mais o país se reciclava menos a gesticulação da grandeur gaullista conseguia maquiar o seu gradativo apequenamento na ciranda planetária do grande capital. Daí o encurtamento de perspectiva assinalado acima, e que se manifesta, entre tantos outros indícios, na substituição do escritor filosofante, porta-voz da consciência do mundo, pelos professores, mais exatamente, pelos especialistas em “ciências humanas”.[4]
Várias linhas históricas perseguidas por Arantes neste e em outros ensaios se cruzam nesta apreciação. Muitas aparecem no livro, que se inicia pelo acompanhamento das três tendências- francesa, alemã, e norte-americana- cuja história condiciona a formatação final que a ideologia francesa vai tomar em sua acolhida estadunidense. A isto se segue uma redefinição de escopo no capítulo 2 que introduz o ponto de vista brasileiro (“da periferia”) sobre este processo; ao qual se segue, por sua vez, no capítulo 3, um esboço de paralaxe EUA-Brasil quanto à recepção das ideias francesas, tendo por guias as figuras de Rorty e de Bento Prado. Paralaxe que revela um fundo comum das tendências examinadas no livro na centralidade, Arantes diria, “demiúrgica”, dada à linguagem e que desemboca finalmente no debate entre Prado e nosso autor, pelo qual começamos nossa resenha. Esse debate, quase uma mise en abîme do debate geral do livro, ocupa também posição arquitetonicamente central no arranjo dos diferentes capítulos, finalizando parte I do mesmo. A partir dele, nas partes II e III, mais reduzidas, Arantes prossegue a um exame das peripécias hegelianas e anti-hegelianas, de um lado, de Gérard Lebrun (parte II) e do outro, focalizando o período imediatamente anterior à emergência do Estruturalismo na França, com capítulos sobre as leituras de Hegel por Kojève, e por Lacan (parte III).
No que se segue pretendemos tecer algumas considerações críticas sobre a forma de crítica operada por Paulo Arantes, tentando recuperar o que poderíamos defender como sendo uma dimensão metodológica (contra o próprio autor) de seu pensamento. Este exame de uma metodologia arantiana deixará clara a relação entre dois planos: o plano de construção dos próprios conceitos (amiúde escamoteado por Arantes) e o plano de situação dos pensamentos no contexto do desenvolvimento do capitalismo (que o autor assume), diferença que poderá começar a ser esboçada a partir do exame do diálogo entre Bento Prado e Arantes.
III.
O cerne do artigo de Bento Prado, “O relativismo como contraponto” é ocupado por um debate entre Rorty e Apel, retomado na réplica de Arantes, com substituição de Apel por Habermas, como o representante do polo “absolutista” contra o relativismo. Após uma abordagem técnica sobre uma possível réplica Protagórica ao problema da peritropé que não cabe retomar aqui, Prado desenha um contraste entre as consequências éticas do pensamento sofístico de Protágoras, que identifica a um policentrismo, contra o polis-centrismo de Sócrates e Platão. A distinção recobre a assunção de um cosmopolitismo do sofista, contra um localismo dos filósofos em seu apego à lei local da polis. Prado enfatiza assim um certo universalismo da posição Protagórica, invertendo os sinais que associariam tradicionalmente universalismo e localismo respectivamente à filosofia e à sofística. “Como se Protágoras, estrangeiro que conheceu o exílio em Atenas, pudesse dizer, antecipando o exilado poeta latino: Barbarus hic ego sum. De fato, para o estrangeiro e o exilado, o lugar externo revela a relatividade do espaço e da cultura, bem como a amplitude do mundo.”[5] Em contraste, a posição contemporânea Rortyana é assumidamente etnocentrista. Tudo se passa como se o relativismo de um e de outro localizassem de forma diferenciada o seu oposto universalista. Para Protágoras, amplitude geográfica das variadas formas de vida que pluralizam a razão e a lei, de forma a ressaltar o seu caráter de convenção. Para Rorty, ausência de razões translocais (“universais”) para desempatar conflitos sobre formas de vida: na falta de um critério translocal, fica-se com o próprio critério, ratificando o próprio-centrismo.
Mencionando a crítica rortyana à filosofia como necessária à discussão política, Bento Prado navega já em águas Arantianas, ao relacionar este problema à unidade planetária de uma “economia globalizada”:
O que essa desqualificação da “teoria social” deixa escapar, ou não percebe, por sob a diversidade local das formas políticas e culturais (por voluntário etnocentrismo), é a unidade global dentro da qual elas estão combinadas e que as carrega todas num único movimento. O próprio pulular contemporâneo dos nacionalismos e dos racismos revigorados parece ser o sintoma (mesmo que à contracorrente) desse processo de unificação que não é puramente econômico. Não se trata aqui de montar uma complicada teoria da Razão ou da verdade de alcance transcultural ou de edificar uma metafísica do social. Trata-se de um fato- a economia globalizada ignora as fronteiras culturais e governa as diferentes Lebensformen- e para descobri-lo basta a leitura cotidiana dos jornais.[6]
A esta questão posta pelas condições concretas, uma resposta é dada e comentada por Prado na figura da ética universalista de Apel: a proposta de uma ética universalista que respeite as diferenças locais. Não cabe aqui fazer críticas ou elogios às soluções propostas por Apel, mas sim destacar uma diferença nas formulações que animam a intervenção de Prado- ainda que aproximando-se da praia Arantiana- e da pergunta citada ao início feita por Arantes: qual é o assunto real do debate em torno do relativismo?
Se a pergunta de Prado comparecia como um problema a ser resolvido por uma abordagem teórica específica (ocupada na segunda parte de seu artigo por uma apresentação e crítica da proposta de Apel), ou seja, a “cola” para a diversidade posta forçadamente em relação na divisão internacional do trabalho operada em uma economia-mundo seria “filosófica”, a necessidade de uma teoria social afinada aos problemas políticos do dia; para Arantes o assunto real é menos o problema tematizado diretamente, o objeto teórico do relativismo e seus opostos, e mais o seu condicionante, aquilo que dá vazão às diversas operações de mascaramento, diversionismo, que a filosofia proporciona. Para uma pergunta, dois tipos de resposta: para Prado o capitalismo é um problema que pode receber propriamente uma resposta filosófica; para Arantes, a resposta filosófica é uma reação a um outro problema que permanece implícito. Portanto, ela mascara o verdadeiro assunto. Em um caso resposta (Prado), em outro, sintoma (Arantes).
Trocando em miúdos, Arantes localiza sob o aparente antagonismo um fundo comum- em primeiro grau no próprio caráter “conversacional” da filosofia praticada por ambos os contendores, Rorty e Habermas. Mas um caráter conversacional que tem um fundo não filosófico: a normalização do capitalismo sobre o fundo de sua gestão pelo Estado nacional no pós-Guerra.
De fato, então, os nossos dois antagonistas na exposição de Bento Prado Jr, as duas posições filosóficas antagônicas, na verdade, convergem no mesmo paradigma pragmático-linguístico para mostrar de que maneira nós podemos conviver ou de que maneira nós poderemos administrar alguma coisa que eles estão supondo já estabelecida, a normalidade do capitalismo que veio para ficar.[7]
IV.
Não raro é pedido a Arantes a explicitação de seu método, base categorial ou ontológica. É assim que ele interpreta a crítica, feita por Vladimir Safatle em Dar corpo ao impossível, de que não apenas haveria, mas que teria de haver uma “filosofia implícita” no procedimento de Arantes. Alguns pontos interessantes se sobressaem do problema.
Como uma banda de Moebius, o tempo da filosofia contemporânea, com sua tríade filosofia francesa contemporânea, neopragmatismo alemão e tournant linguístico anglo-saxão, entraria nos trilhos de uma repetição histórica, de uma sucessão de impasses já vividos e a respeito dos quais não haveria muito que acrescentar. Daí a maneira soberana com que Arantes os despacha todos aos recônditos da fraseologia vazia (um desses gestos que terá necessariamente um preço a se pagar).[8]
A banda de Moebius é uma imagem interessante para conceituar o balanço das soluções tal como Bento Prado o defende: o “relativismo como contraponto” ao absolutismo, este último identificado com a filosofia, na mútua passagem de um ao outro como momentos necessários não só a identificação externa de cada polo, mas de sua própria autodeterminação pelo outro. A tentativa de Arantes de encontrar aquilo que motiva esse próprio balanço poderia ser pensada como, precisamente, uma saída da contrabanda, um ponto de vista externo à dialética ideal assim montada.
Para Safatle, o discurso Arantiano funcionaria a partir de um conjunto de pressuposições que se recusam a ser postas explicitamente. Caso contrário, não haveria critério pelo qual ele pudesse se orientar na denúncia ideológica dos discursos mistificadores da classe intelectual. A pergunta parece ser: de que ponto de vista téorico é possível fazer a crítica que Arantes faz, se o ponto de vista não está explicitado na própria crítica? Teremos uma resposta a isso a seguir. Para Safatle, o problema assume em um primeiro momento efetivamente a aparência de uma contradição performativa. Ao mesmo tempo, pôr, enunciar claramente estas pressuposições, incorreria em uma traição de seu conteúdo de verdade, na medida em que “em certas situações, pôr um conceito de maneira direta é a melhor forma de anulá-lo”.
Da mesma forma que guardar o bolo e, ao mesmo tempo, comê-lo não é exatamente uma operação evidente, recusar que a dialética seja mais uma patologia dos intelectuais e sair da filosofia é algo que ainda não se viu neste mundo. Portanto, insistiria que há em Paulo Arantes uma “filosofia implícita”, uma filosofia que, por razões que veremos mais à frente, crê dever permanecer implícita para não ser anulada.[9]
Cruzando o diagnóstico com a imagem já utilizada por Safatle da “banda de Moebius” que liga as diversas “soluções” filosóficas criticadas a “impasses já vividos” em um eterno retorno do Mesmo, poderia se dizer que a não enunciação é maneira de salvaguardar o conceito ainda não maduro para a efetividade. No entanto, um problema se insinua aqui. Se a virada linguística é o pressuposto que é posto no encontro das tendências francesa, anglo-saxã, e alemã, examinadas por Arantes, um outro pressuposto anima a tendência propriamente francesa, que explica a eventual assimilação desta à virada linguística: o modernismo vanguardista. Se vanguarda e virada linguística se irmanam no absoluto literário criticado por Arantes, propomos duas linhas de tratamento destes dois elementos no que se segue, e que traria consequências críticas para as posições de Arantes.
V.
Sobre o retorno da filosofia norte-americana ao pragmatismo após o ciclo pós-positivista, Arantes comenta:
O reencontro de que falei há pouco estava, portanto, maduro, mediante a seguinte interpretação. Tudo se passa como se a “análise lógica”, voltando-se sobre si mesma (na melhor tradição “reflexiva” continental), graças em particular à pragmática do segundo Wittgenstein, à crítica de Quine à semântica de Carnap, à demolição do mito empirista do “dado” por Sellars, somados ao holismo de Davidson, ao “historicismo” de Kuhn etc, etc., tenha finalmente arquivado a fraseologia do cânon Platão-Kant (como se diz na língua franca atual) acerca da autoridade final da filosofia enquanto disciplina autônoma acerca da significação e racionalidade de nossas asserções e ações.[10]
Dentro do álbum de família montado por Arantes há um esquecimento, exatamente provindo desses antepassados da posição Rortyana amplamente comentada pelo nosso autor. Ele menciona en passant um deles, Sellars, no trecho acima, como um dos fiadores da liquidação da autoridade da filosofia “tradicional” no contexto norte-americano. Por “filosofia tradicional” poderíamos dizer que Arantes se refere já ao que vem após a tábua de salvação Kantiana, que, para ele, funda uma “filosofia profissional” que se ocupa não das coisas do mundo, mas das condições para se pensar as coisas do mundo- inaugurando a epistemologia como disciplina que garante para o domínio filosófico a última palavra sobre qualquer assunto. Mas uma garantia que advém com o esvaziamento do objeto. Esse primeiro passo para a constituição de uma autorreferencialidade da própria filosofia prepara, no contexto norte-americano por meio do desenvolvimento pós-positivista na linhagem do Kantianismo e no contexto francês por meio da disciplina da História da Filosofia nos moldes da leitura estrutural, a chegada da Ideologia Francesa, mediatizada pela rememoração, no caso estadunidense, de seu passado pragmatista. O passo Rortyano aparece como contendor, interno à recepção norte-americana da IF, com relação à transplantação direta da mesma pelos departamentos de Literatura naquele país. A busca de uma linhagem neo-pragmatista interna ao próprio desenvolvimento da filosofia analítica é parte de seu programa exposto em A Filosofia e o espelho da natureza, onde figuram com destaque Wittgenstein, Sellars e Dewey.
No entanto uma distinção importante deve ser feita aqui entre a leitura Rortyana e a letra da mencionada “crítica ao Dado” por Sellars. Trata-se do elemento realista da filosofia Sellarsiana, que é convenientemente esquecido por Rorty, esquecimento que é herdado, ainda que justificadamente, pela leitura Arantiana, na medida em que seu assunto é a recepção da IF nos EUA, que desemboca na forma específica com que Rorty lê a história recente da filosofia. Mas recuperar o lado realista da filosofia de Sellars pode ajudar a expressar algo sobre a posição de Arantes a seguir.
A crítica Sellarsiana ao Dado não é uma demolição da filosofia, ou de sua pretensão referencial. Ela versa sobre a ideia de que haja algo como um conteúdo “dado” à consciência de forma não-mediada. Ideia esta que garantiria um fundamento ao edifício filosófico empirista. Isto não é questionar as capacidades representacionais do pensamento, tanto quanto apenas desfazer uma compreensão específica de como estas se dão. A forma mais rápida e resumida de recuperar a crítica ao Dado para os nossos propósitos é a fórmula empregada por Willem DeVries para descrevê-lo: “O dado é epistemicamente independente, isto é, qualquer que seja o status epistêmico positivo que nosso encontro cognitivo com o objeto tenha, ele não depende do status epistêmico de qualquer outro estado cognitivo. […] E ele é epistemicamente eficaz, ou seja, pode transmitir status epistêmico positivo para outros estados cognitivos nossos.”[11]
Isto significa que o Dado, nesta acepção crítica, deveria ser capaz de fazer dois trabalhos incompatíveis. Ser um conteúdo de experiência adquirido independentemente de qualquer estado anterior de conhecimento ou de conceituação deste conteúdo, e ao mesmo tempo ser capaz de justificar outros lances inferenciais. Se ele é epistemicamente independente, ele não está na rede justificatória- ele não é epistemicamente eficaz-, se ele é epistemicamente eficaz, ele não é epistemicamente independente. Sellars soluciona o problema separando as esferas causal, independente de qualquer estado epistêmico- e a esfera justificatória, dependente de uma rede coerentista de justificações que comporia o espaço das razões. Assim, entre o conteúdo de experiência e o conceito existe não-identidade (a glosa adorniana é aqui intencional): o conceito é um candidato a subsumir o conteúdo de experiência, apenas na medida em que este é relacionado a outros conteúdos em uma interrelação que o pensar tenta replicar na ordem das razões entre conceitos. É assim também que Sellars chega a um conceito histórico de razão como transformação de diferentes quadros de referência, Imagens-do-ser-humano-no-mundo, que acompanha o desenvolvimento dos frameworks científicos na suas conceitualizacões bem ou mal sucedidas dos conteúdos de experiência. Mas o referente não é eliminado. Trata-se de diferentes abordagens de um referente real tendencialmente aproximando-se de uma maior adequação na medida em que a malha da dimensão horizontal- relações de conceito a conceito- ganha em capacidade explicativa resultantes da dimensão vertical- relações de conceito a coisa. Diferença que pode ser mapeada na distinção de extração Wittgensteiniana entre ver (simples contato sensível com a coisa) e ver-como (contato sensível conceitualizado, no qual a coisa é vista-como-“algo”, entendido “algo” aqui como um conceito com tração categorial-justificativa).
Mas se o ver-como parece recuperar a ideia de uma subjetividade constituinte dos fenômenos, repetindo o gesto Kantiano que se trata de criticar, podemos recuperá-la em chave materialista em termos de um aparecer-como. A ideia é familiar em Marx e recobre o seu conceito crítico de fetichismo da mercadoria: a forma como relações sociais de produção aparecem-como relações entre mercadorias. Contra isto, o trabalho teórico de recuperação dos circuitos de determinação da mercadoria operada pela crítica da economia política exibiria outras formas do aparecer (variando os veres-como) de forma a constituir um circuito alternativo com maior poder explicativo. Ao mesmo tempo, um perigo aqui é o de recair em uma forma do Dado, uma vez que se suponha ter atingido a “rocha sólida onde a pá entorta”[12] na descrição do modo de produção. A pá não entorta por encontrar um fundamento positivo, “dado” pelo framework da crítica da economia política ou qualquer outro, mas, precisamente, por encontrar uma facticidade que não pode fundamentar racionalmente os veres-como, ainda que os condicione. Mas uma facticidade que aparece negativamente como impossibilidade de fundamentar de forma absoluta, e não como fundamento positivo. Isso não autoriza o “girar em falso” de jogos de linguagem sem lastro como parece repetir a crítica Arantiana. Apenas quer dizer que todo aparato explicativo, não importando o quão próximo ao seu objeto pretende ser, possui um empuxo da constelação conceitual que consegue elaborar entre os dois polos, o da imanência e o da transcendência ao objeto.
A crítica ao Dado, portanto, pretende sustentar simultaneamente ambos, o polo da auto-referencialidade de um discurso como forma específica do aparecer enquanto mediada (de forma não exclusiva) pelos próprios conceitos que compõem num determinado momento o meio discursivo; e o do referente que aparece no interior do discurso, impondo por sua vez constrangimentos à sua conformação pelo primeiro. A separação entre os polos deu origem à divisão entre Sellarsianos de esquerda (os que passam a desenvolver o espaço lógico das razões enquanto polo da autorreferencialidade discursiva[13]) e os Sellarsianos de direita- nada a ver com política- que passam a desenvolver os quadros de referência científicos pelos quais a imagem manifesta do homem pode ser denunciada e desbancada em nome de um Fora recuperável pela prática científica.[14]
VI.
Poderíamos aqui perguntar: não é exatamente o que Arantes está fazendo, desbancar a imagem manifesta produzida pelas auto concepções discursivas, ao rastrear os circuitos que correm por baixo das ideologias? Há inclusive um candidato materialista a uma variação do ver-como proposta por nosso autor: precisamente a mobilização da periferia na descrição dos processos do Capital. Ver-como, porque mobiliza uma distinção de visibilidade: o que está disponível para ser visto do mundo a partir do centro é diferente do que está disponível para ser visto a partir da periferia. Materialista, porque os pontos-de-vista são inteiramente situados no interior de um sistema-mundo determinado pela divisão internacional do trabalho no contexto do desenvolvimento desigual e combinado. Assim, não é um aparato teórico que faz ver a diferença, mas a própria situação material daquele que vê, localizado onde está. Uma parte do mundo vê o todo de um modo diverso de outra parte do mesmo mundo.
Mas descrever a coisa desta maneira economiza o vocabulário empregado: Capital, mercadoria, divisão internacional do trabalho, periferia-centro etc. Uma batelada de conceitos que conseguem fazer ver a diferença dos apareceres como do mundo do Capital do ponto de vista de centro e de periferia. É aqui que se articula uma distinção interna ao espaço das razões: além do enquadramento dado pela posição concreta de onde se olha, o quadro de referência de categorias lógicas empregado- que não se depreende diretamente da posição concreta, podendo variar independente dela- permite a descrição de uma interação entre o sistema de referências e o sistema lógico que rastreia essas referências. Diferença interna que também se expressa no ponto de vista materialista: ponto de vista localmente situado na totalidade social, mas munido de conceitos específicos que fornecem fricção cognitiva. A fricção cognitiva necessária, codificada precisamente na não-identidade entre objeto e conceito, que ocasiona os movimentos de ajuste e desajuste entre um e outro que fornecem informação sobre os sistemas, tanto de conceitos, quanto de objetos, imbricados. É a distinção aludida mais cedo entre um plano de situação, de onde se perspectiva uma visão do todo, e por onde se faz notar um problema posto pela conjuntura histórica, e um plano de construção, pelo qual a história interna dos conceitos é chamada a se pronunciar sobre a situação.
Aqui podemos dar a nossa resposta sobre o “preço pago” por Arantes pela implicitude da posição. Se Safatle supunha que a implicitude da posição de Arantes resultaria da necessidade de se manter em estado de latência o que está imaturo para vir à tona, existe para nós uma divisão interna à própria manobra materialista empregada pelo autor de uma parte do mundo vendo a outra parte do mundo: trata-se do vocabulário empregado, que se submete, queira-se ou não, ao mesmo tipo de crítica que Arantes faz de outros vocabulários. Estar na posição de periferia, é um fato, mas adquirido por meio da transdução de um conjunto prático-material de consequências a um quadro-de-referência explicativo, para o qual não é peça inessencial o conjunto de conceitos empregados. Assim, a manobra do aparecer-como materialista, como a batizamos, sem explicitação corre dois riscos: um risco menor de achatamento da dialética de suas várias dimensões a uma base compreendida como “dada” na medida em que o vocabulário lógico que a constitui não é explicitamente posto. E um risco maior de enrijecimento do procedimento em uma máxima fixa, segundo a qual as filosofias nunca dizem o que querem dizer. Aqui, o que era uma importante desconfiança das pretensões filosóficas de possuir valência imediatamente política em Ressentimento da Dialética tornar-se-ia elemento metodológico fixo e que, portanto, ao invés de desencobrir o “verdadeiro assunto” dos discursos, dissolve-o em seus efeitos, recuperados, conforme o risco menor enunciado acima, a partir de um ponto de vista único e nunca tematizado. Efeitos operacionalizados no exclusivo rastreamento do comportamento da figura do intelectual. Mas, ao fazê-lo, entende-se “assunto” como o mesmo que “efeito ante ou pós comportamento”, procedimento que traz no seu bojo como consequência a priori a irrelevância congênita do objeto específico da filosofia abordada por Arantes.
Note-se que a crítica não é a uma suposta contradição performativa na qual incorre Arantes. Ela é sim, crítica à eventual perda de capacidade expressiva do próprio modelo ao não levar em consideração o momento conceitual e não apenas material do aparecer-como, que corre o risco (não sempre, mas muito em Formação e Desconstrução) do achatamento da dialética que consiste em não perceber o momento de emancipação existente naquilo que é reputado como ideológico.
Este reducionismo parece ser aplicado sem mais ao todo da dita “Ideologia Francesa”. Não obstante as ressalvas feitas por Zanotti no posfácio à obra, de que alguns juízos teriam sido reconsiderados após a escrita destes artigos, o que se vê nos mesmos especificamente sobre o conteúdo das obras de Foucault, Deleuze, Derrida e cia é uma desautorização a partir de uma base teórica outra. Ou seja, é crítica imanente (do ponto de vista do Capital e seus efeitos sobre o discurso), mas não crítica imanente ao objeto filosófico em questão. O que justifica a marola de indignação mencionada no nosso subtópico II e as acusações de que Arantes “não leu” os autores em questão. Nós não quisemos seguir este caminho de crítica externa ao próprio Arantes, mas sim tentar justificar ao máximo o método Arantiano nas suas virtudes e potências antes de conseguir mostrar efetivamente onde a acusação de que não leu poderia possuir relevância.
VII.
Para compreender essa insuficiência pode ser útil retornar ao segundo fundamento da IF mencionado no livro, o da vanguarda artística. Se o método Arantiano, conforme dissemos, consiste em usar a diferença entre uma parte e outra do mundo para extrair informação sobre o mesmo, poderia uma parte do mundo, aqui não entendido no sentido da periferia, mas de uma prática específica entre práticas, fazer a mesma operação? A pergunta tem a ver com a possibilidade de se existir um ponto de vista imanente não apenas a um lugar geográfico no topos do capitalismo internacional, mas de um lugar prático que segue uma lógica imanente, e que possa extrair informação acerca do todo.
É um giro de tal natureza que o pensamento de Sérgio Ferro performa com as artes plásticas, não recaindo na denúncia do particular como falso por ser contradito pelo todo, mas defendendo a negação determinada que o particular exerce com relação a uma tendência do todo. A questão é relevante para se pensar uma possível valência emancipatória para a tese do “absoluto literário” que Paulo Arantes pretende rastrear na IF a partir da vanguarda.
Para Ferro, as artes plásticas são a única atividade material que resiste à sua subordinação ao Capital, não discursivamente, mas propondo uma forma de ação que exemplifica, ainda que de forma limitada, o que seria um trabalho “livre” no contexto do capitalismo, do Renascimento até o eclodir da Primeira Guerra Mundial, onde sua análise termina.
Apesar de ocorrer numa província secundária da produção social, o salto é simbolicamente imenso. O enfrentamento transborda a disputa localizada, supera a estreita particularidade. Se a língua continua sendo a de um ofício isolado, o que ele diz tem alcance geral (...) O que elas fazem pode ser considerado como modelo reduzido, esquemático, de uma resposta válida socialmente. Mais precisamente como exemplo (no sentido de conter em si o que exemplifica, como proposto pelo filósofo estadunidense Nelson Goodman) de trabalho não subordinado.[15]
O ponto central do argumento de Ferro é que a história de certos procedimentos da arte desde o Renascimento é a história de negações determinadas operadas pelos procedimentos artísticos na tentativa de esquivar-se da integração ao trabalho plenamente subordinado ao Capital. Desta esquiva dependeria a ascensão das artes plásticas ao status de artes liberais, onde o trabalho manual deveria ser escamoteado. Busca, portanto, por status no interior do sistema. Mas, a reboque desta busca por status, algo diverso começa a aparecer. Ao procurar se diferenciar por negação determinada dos procedimentos do artesanato subordinado, as artes plásticas cavariam um espaço negativo de liberdade. Movimento inverso ao de Arantes, que consiste em encontrar o momento ideológico naquilo que se arroga possuir tração emancipatória, aqui trata-se de recuperar um movimento real de negação na prática do artista auto-interessado. Ponto que é ilustrado já na primeira página de seus dois volumes:
Num tempo em que o artesão que fabrica imagens ainda come na cozinha, a “cozinha” do ofício manual constitui um obstáculo aparentemente definitivo à promoção. Ela não pode ser evitada, caso contrário não há obra. Mas tem que ser escondida, senão o status pretendido jamais será atingido. A solução para o impasse tem que dar conta dessa antinomia.
Várias são ensaiadas. Cito três. O virtuosismo, que procura compensar o desprestígio da mão trabalhadora com a sofisticação do gesto produtivo. A denegação – que chamarei o “liso”- , que elimina seus vestígios. Estas duas têm um aparente defeito: exigem aplicação artesanal redobrada. A terceira é digna do impasse: mostra o trabalho- mas um trabalho oposto, ponto por ponto, ao do artesão contemporâneo, sua negação determinada. Nesse sentido as figuras mais destacadas são a sprezzatura e o non finito. (...) A tradição artesanal visa à segurança da correção operacional preestabelecida; a nova plástica artística, aos achados possíveis, graças à abertura ao dinamismo produtivo.[16]
O procedimento não é sem relação com o procedimento de Adorno ao defender no caráter monádico da obra de arte a distância que permite a crítica do todo social por meio do tratamento da própria matéria social sedimentada na obra. Em Ferro, no entanto, não é no produto finalizado que se lê esta crítica, mas nos procedimentos adotados pelos artistas que negam a ética do trabalho presente em outras produções materiais da sociedade.
Mas o ponto que nos toca diretamente, o da vanguarda, é abordado somente no capítulo final de seus dois volumes, e na manifestação específica do Cubismo Abstrato. Seguindo o encaminhamento dado por Ferro, a trajetória de negações das artes plásticas ao longo dos dois volumes: após os três momento lógicos de negação do trabalho subordinado encarnados na sua exacerbação (virtuosismo), denegação (liso) e assunção com sinal trocado (demonstração dos traços de confecção no resultado acabado na sprezzatura e inacabamento voluntário do trabalho no non finito), chega-se à passagem ao Modernismo, onde a ideia representada passa a ser objeto de negações- primeiro na plasticidade dinâmica sem objeto exterior de Manet, passando pelos sistemas de Van Gogh e Gauguin, chegando ao Cubismo Abstrato, que assume a planaridade essencial da arte pictórica. Tese familiar aos leitores de Greenberg, mas que nas mãos de Ferro ela é exemplificação de trabalho (passo 1) que nega o tipo hegemônico de trabalho (passo 2).
Esse descortinar radical obriga a reconhecer que arte é também trabalho, talvez sobretudo trabalho, como os outros- mas livre. O que também obrigaria a reconhecer a contrapartida: os outros trabalhos- ou pelo menos muitos- poderiam, do mesmo modo, ser arte- se fossem livres. Mas essa consequência embutida desagrada profundamente os sócios e coadjuvantes do capital, quando a pressentem. É o que diz a frase comum de despeito: Qualquer um poder fazer isso.[17]
Aqui parece se abrir um vão entre a visão que defende Sérgio Ferro, de um impulso de emancipação presente no gesto vanguardista de indiferenciação entre obra e seu exterior, no que concorda com Peter Bürger, com uma visão que vê nessa exemplaridade negativa da obra a necessidade da distância estética garantida pela autonomia da própria obra, conforme o defende Adorno. “Aqui nos deparamos com o que se poderia chamar com um toque de provocação de antivanguardismo de Adorno. Refiro-me a sua atitude de recusa diante da tentativa empreendida pelas vanguardas de dissolver a arte na vida cotidiana.”[18] Antivanguardismo citado com aprovação por Arantes:
Por isso mesmo, nada poderia ser mais instrutivo do que a comparação entre essa apoteose sem atmosfera- daí a ênfase superlativa que a distingue- e o sóbrio balanço adorniano do envelhecimento do moderno, tanto mais revelador por resultar de uma “teoria estética” de mesmo andamento temático-conceitual que o processo de desestetização da arte por ela refletido desde seu nascedouro. Isso para não falar no peculiar antivanguardismo de Adorno, mais do que a aversão que podemos imaginar, também um ponto de vista sobre o rescaldo surrealista do pós-estruturalismo, por assim dizer armado avant la lettre.
O que parece estranho na aprovação por Arantes dos diagnósticos Adornianos é que, se de um lado Adorno insiste no caráter de obra (sua heterotopia) enquanto resistente à tentativa desintegradora da mesma exemplificada na vanguarda, de outro é precisamente no caráter de separação introduzido pela autorreferencialidade, no mesmo momento de heterotopia da IF- é que Arantes vai encontrar o próprio elemento vanguardista. Heterotopia que funciona de um lado (na obra de arte) como salvaguarda crítica, de outro (na IF) como falsa consciência.
Falso paradoxo que se explica: a abertura da forma estética presente na arte de vanguarda tem como corolário a tomada de si própria como tema. A autorreferencialidade desnatura o caráter da aparência estética, exibindo-a como trabalho entre trabalhos como quer Ferro. Assim, a abertura formal ao seu exterior é diretamente proporcional ao redobramento a si própria como conteúdo. Este redobramento, ao mesmo tempo em que ilustra uma tendência emancipatória na medida em que sustenta o momento de heteronomia (arte é trabalho entre trabalhos) da heterotopia (arte é trabalho livre) presente na obra; é também o que mantém o caráter exemplificador da obra (tem que haver “obra”), que aprisiona, portanto, a vanguarda em um conceito do qual pretende se livrar. Donde o seu fracasso (Adorno) ou a sua modificação (Bürger) de um momento auto-crítico da arte como um todo para uma transformação local do conceito de obra.
Questão importante seria conseguir rastrear, concedendo a ligação proposta entre vanguarda e IF, como esse caráter paradoxal-exemplificatório da vanguarda se transplanta para a posição da produção teórica na IF, o que não faz Arantes. Para Ferro a heterotopia proposta pela vanguarda possui um vetor emancipatório na medida em que as artes procuram generalizar sua condição específica de trabalho livre para todas as artes. Mas ela encontra uma trava real, dependente das condições concretas do trabalho sob o capitalismo. O trabalho livre precisa se generalizar ou pagar o preço de permanecer um privilégio reservado a poucos. Trava esta que termina por colocar o artista em contradição com a posição do trabalhador comum na totalidade social.[19]
Talvez aqui um caminho de crítica ao conforto de uma posição estetizante de vanguarda esteja aberto, mas não simplesmente como resultado de um déficit referencial dos discursos, mas de sua incapacidade de generalizar o impulso emancipatório que é o seu. O que torna a repetição do gesto vanguardista na teoria o apanágio do intelectual desengajado, conforme comentado em vários momentos por Arantes. Mas decidir sobre essa questão não é tão simples.
VIII.
Façamos uma breve retrospectiva. A partir de uma abordagem do debate Prado-Arantes, chegamos a uma formulação da posição Arantiana como a busca de um determinante externo à “banda de Moebius” da filosofia e de seus assuntos. Esse modelo pressupõe uma diferença entre a base material e a forma como ela aparece para o pensamento teórico- ou seja, uma diferença entre sintoma e resposta. Arantes procura sair da imanência teórica por meio de uma ancoragem materialista da sua perspectiva teórica: essa perspectiva coincide com um ponto de vista dentro do sistema-mundo, que mostra o que outro ponto de vista, também dentro do sistema-mundo, não vê. Exibe o sintoma das formações do centro. Mas o sintoma é ele próprio abordado a partir de um conjunto de conceitos retirados da crítica da economia política. O aparecer-como das formações do capitalismo é mediado pela diferença (“materialista”) entre centro e periferia e pelos veres-como determinados pelo aparato lógico-conceitual utilizado.
Assim, a crítica de Safatle sobre o escamoteamento da “filosofia implícita” adquire a aparência aqui menos generosa de uma tentativa de não se expor à mesma crítica que é levantada a outros. Isto é, como disse Arantes no lançamento do livro de Safatle,[20] uma contradição performativa, mas esse não é o cerne da questão. O cerne é que a aparência de saída do universo discursivo é garantida por uma denegação do aspecto conceitual. Além do que, a falta de explicitação do aparato implicaria em um empobrecimento das possíveis relações a serem desenhadas entre as dinâmicas da base material e a possibilidade de variação dos frameworks explicativos, discussão que Arantes consistentemente recusa, o que se condensaria, nos piores casos, em um achatamento da dialética e em um enrijecimento do ponto de vista. Segundo este ponto de vista achatado, a filosofia/teoria torna-se sempre suspeita de antemão, pois o seu assunto nunca é o assunto que declara ser o seu e sempre sim o assunto determinado pelo ponto de vista Arantiano. Como dizia Safatle:
(...) seremos obrigados a aceitar uma estratégia que verá ao fim toda produção da ideia em sua nudez filosófica como simples realização compensatória à impotência da vida social, como “mera ideia” que esconde seu girar em falso. Desqualificada em sua força de indução de acontecimentos, a filosofia será relegada no máximo a um discurso implícito, pois sua explicitação em condições atuais só poderá levá-la a reduzir-se à condição de ideologia.[21]
Nesse contexto, o fenômeno da Ideologia Francesa cai como uma luva para confirmar o modelo- tendo por confirmadores a dupla determinação da virada linguística, que supostamente a retira do universo dos efeitos materiais e da filiação à vanguarda artística, cuja conjunção desemboca na recuperação da tese do absoluto literário, que a encerraria em um efeito estético sem reverso referencial.
No final das contas a questão se condensa na pergunta: É a autorreferencialidade discursiva o nome de quê no contexto do pós-estruturalismo? Precisamos descobrir o assunto real que está em jogo.
Para responder devemos voltar à nossa distinção entre resposta e sintoma retirada da conversa entre Bento Prado e Paulo Arantes. Contra a “cola” discursiva fornecida pelos intelectuais, que Prado comenta, Arantes as compreende como um conjunto de estratégias diversionistas com relação à verdadeira cola que produz a história, não o discurso teórico, mas o movimento real das classes dominantes e dominadas. Mas o que a nossa passagem pelo momento realista da crítica do Dado revela é o papel não da teoria constituída que procura fornecer unidade onde não há, mas dos vocabulários que aparecem no contexto tanto do movimento real quanto das próprias teorias que pensam junto com ele. Trata-se de sustentar uma imbricação mais imanente de discurso e ação, condicionada também pelos apareceres-como dos impasses de uma realidade social para os quais não temos resposta determinada. Aqui aparece sub-repticiamente um outro conceito, que, em algum sentido une resposta e sintoma, que é o de adaptação.
A adaptação pode ser algo, conforme a fórmula de Lampedusa, que se modifica para deixar tudo como está. O melhor exemplo é o próprio capitalismo, em sua trajetória de adaptações às transformações das relações entre Capital e trabalho. Mas a adaptação pode ser também uma replicação tática, que cria um espaço de homogeneidade entre o ambiente e a ação que o transforma. Esta precisa estar adaptada à forma e à escala na qual consegue atuar. Algo que, no vocabulário de Rodrigo Nunes aparece como fitness, e que é bem ilustrado no espaço de indiferença entre prática artística e prática material tal como mostrado por Sérgio Ferro. Sobre o fitness[22] neste sentido, diz Nunes:
(...) se é para funcionar, uma inflexão introduzida em uma situação deve ser suficientemente compatível com ela. Ou seja, deve ser materialmente viável, deve ser compreensível e desejável a um grande número de pessoas de que é capaz de produzir os efeitos desejados, etc. Esta condição estabelece um limite superior: uma modulação do comportamento coletivo ou agregado não pode ser por demais descontínua com as condições existentes, ou não será viável; se for muito diferente da situação em que se encontra, não pode transformá-la. A lição aqui é simples: nem tudo é possível a qualquer momento.[23]
Ou, conforme diz Sérgio Ferro, é porque arte plástica é trabalho que ela pode ser trabalho livre. A sua operacionalidade está predicada na adaptação negadora ao contexto. Mas enquanto na arte e na prática teórica existe sempre uma heterogeneidade irredutível com relação à realidade social como um todo, que as desloca para o terreno da exemplificação ou analogia, a adaptação organizacional ao contexto no movimento da política real é sine qua non para a mudança real- ainda que não a garanta.
É neste contexto que talvez possamos, à luz do tipo de pensamento oferecido por Paulo Arantes, fornecer uma visão mais caridosa de seus alvos. Neste sentido a mudança comentada por Arantes, herdada da crítica prévia feita por Perry Anderson ao arco estruturalista e pós-estruturalista, é menos uma mudança de atitude do que uma transformação no próprio referente real político. Contrariando esta hipótese, a formulação de Arantes, reiterando os juízos de Castoriadis, que aparece ao início do livro, é a seguinte:
(...) enquanto a combalida “ideologia principal” do sistema dominante se encarregariada tarefa rotineira, e hoje bastante desacreditada, de persuadir os indivíduos de que o problema da sociedade enquanto tal não tem cabimento ou está sendo resolvido pelo bloco hegemônico de plantão, o discurso desviante dos maitre-à-penser, amplificado pela engrenagem educacional, mídia, etc., assumiria proporções de verdadeira manobra diversionista, abortando a gestação de ideias pertinentes sobre questões pertinentes. A cada nova figura, essa fraseologia de ponta retomaria seu papel exclusivo de “ideologia complementar”. Noutras palavras, na ideologia de nosso tempo não se encontra refletida, por um sem-número de ideias truncadas, a falsa consciência das classes dominantes, mas o diagrama variável de uma pseudoalternativa de subversão global.
Segundo Perry Anderson, a hegemonia do pensamento Estruturalista e Pós-Estruturalista teria abortado a possibilidade de um novo ciclo de unidade entre teoria e práxis nos países da Europa latina. Isto porque, apesar de o sucesso do Estruturalismo se explicar por sua tentativa de solucionar um problema deixado em aberto pelo Marxismo, qual seja, o da relação entre Sujeito e Estrutura, aquele propalava uma filosofia dessituada com relação à práxis coletiva política, sem capilaridade junto aos movimentos organizados. Esta avaliação põe em xeque a centralidade que assumiria essas formas de pensamento para se compreender o momento de 68 na Franca, na Itália e na Europa latina como um todo, momento esse valorizado por Anderson em sua leitura deste arco teórico. A questão que é colocada de forma aguda passa a ser então a função da teoria e sua relação com a práxis.
Kristin Ross engrossa o caldo da crítica à compreensão de Maio de 68 derivada do panteão do pós-estruturalismo:
Uma nova prática histórica insubmissa podia continuar o desejo de 68 de dar voz aos “sem-voz”, de contestar o domínio dos especialistas. Enquanto as teorias que viriam a dominar a década de 1970- o estruturalismo e o pós-estruturalismo- prosseguiam com o que Fredric Jameson chamou de sua “incansável missão de busca e destruição contra o diacrônico”, outro tipo de trabalho, derivado diretamente da experiência de 68, estava sendo mantido dentro e nos arredores da disciplina da “história oficial”. É para isso que precisamos olhar- e não para os sociólogos ou os filósofos do desejo, como Lyotard ou Deleuze, frequentemente invocados para incorporar o legado de Maio à produção intelectual- para encontrar alguns dos experimentos políticos mais interessantes e radicais acerca da questão da igualdade.[24]
A contrapelo de Ross e de Anderson/Arantes, não se trata aqui de recuperar Deleuze e Lyotard para falar de Maio, mas falar de Maio para recuperar Deleuze e Lyotard. Por exemplo, a insistência nos devires-minoritários e no papel do desejo contra a estriagem representativa da democracia e da inclusão no Partido Comunista reflete a prática organizacional que a própria Ross comenta. Na medida em que os eventos de Maio respondem, entre outras coisas, a situações fora do território francês, particularmente as repercussões das guerras da Argélia e do Vietnã, às quais o Partido Comunista Francês reage de forma moderada, torna-se pensável a dimensão do aprisionamento na representação pela organização de controle centralizado. Na medida em que Maio de 68 se caracterizou, também, pela busca da questão da igualdade enquanto crítica à especialização - o movimento incluiu estudantes, trabalhadores de fábricas, e grupos não alinhados- procurava-se fazer uma crítica da distinção entre trabalho manual e intelectual. O movimento assim testava novas formas organizacionais que compunham transversalmente aos limites destes grupos sociais constituídos, uma prática do agenciamento de elementos heterogêneos conforme preconizada na filosofia de Deleuze e Guattari e de resistência ao poder disciplinar, como pensado, entre outros, por Michel Foucault.
Com relação às formas organizativas do momento, Ross contrasta uma perspectiva Leninista a uma perspectiva Luxemburguista nas organizações reais de 68.
A distinção que estou fazendo pode, talvez, ser ilustrada comparando uma tendência leninista e outra derivada das teorias de Rosa Luxemburgo. Ambas as tendências compartilham, como todos os grupos radicais em 68, um objetivo anticapitalista. Mas um partido leninista é, em essência, uma intelligentsia radical que diz “nós temos o direito de governar”. Sua meta de “tomar o poder” é tão determinada por esse objetivo como pelo adversário que enfrenta: o Estado burguês. Na esperança de vencer esse adversário, o partido toma de empréstimo as armas e métodos do adversário; num tipo de fascínio pouco analisado, ele imita a organização do inimigo até nos mínimos detalhes. E se torna sua réplica fiel, particularmente na relação hierárquica entre os militantes e as massas de trabalhadores, reproduzindo a divisão social que é o fundamento mesmo da existência do Estado. Mas um aspecto dominante de Maio- mais próximo de Luxemburgo que de Lenin- enfocava, ao contrário, essa divisão social, evitando a hierarquia inerente ao leninismo e produzindo, assim, organizações que eram um efeito da luta.[25]
O parágrafo é muito importante, na medida em que tece muitas relações tensas com o que se trata de mostrar nessa seção. Em primeiro lugar, ilustra um fenômeno de adaptação- mas com fins de criticá-lo. Quando Ross fala na imitação por um Partido, do Estado que se trata de desbancar, ela se refere a um desses fenômenos. Ao mesmo tempo, a contraposição a isto de uma forma menos hierárquica de organização, apresentada aqui como influenciada por Luxemburgo, a não-adaptabilidade é vista como em algum sentido uma virtude, pois corre menor risco de assimilação, ao mesmo tempo em que a dimensão de organização imanente é por si só exemplificadora, ou pre-figuradora das práticas que se quer abraçar. Oposição que coloca um problema que subjaz a crítica, tanto de Arantes quanto de Anderson, do Estruturalismo e do Pós-Estruturalismo como, em alguma medida, perdendo de vista a luta real das classes subalternas em prol de um dandismo pseudo-revolucionário que, ao fim e ao cabo, acaba por reiterar a forma de atuação individualizada e atomizada do inimigo. Com relação a esta hipótese de assimilação, trata-se de uma hipótese a ser decidida pela observação concreta da conjuntura, e não uma conclusão inscrita no aparato teórico ele próprio.
IX.
Havíamos mencionado que, se a régua usada para ler a IF por Arantes é política, propondo este arco de pensamento como diversionista com relação a práticas mais politicamente realistas, cabe a pergunta sobre que práticas seriam estas. A pergunta tensiona o pensamento de Arantes entre duas formas de ação que Rodrigo Nunes menciona no parágrafo que já citamos anteriormente, a de ação coletiva e a de ação agregada: “uma modulação do comportamento coletivo ou agregado não pode ser muito descontínua com as condições existentes, ou não será viável; se for muito diferente da situação em que se encontra, não pode transformá-la.” Distinção esta que parece estar em jogo na acusação contra a IF, conforme como diz Perry Anderson, “a reunificação da teoria marxista e da prática popular num movimento revolucionário de massas não se concretizou. A consequência intelectual desse fracasso foi, de modo lógico e fatal, a escassez geral de verdadeiro pensamento estratégico na esquerda dos países avançados, isto é, de qualquer elaboração de perspectiva concreta ou plausível para uma transição além da democracia capitalista, em direção a uma democracia socialista.”[26]
Uma pergunta subjacente se coloca que é: em que medida Arantes subscreve a importância assumida por Anderson para a influência do arco teórico em questão- enquanto teoria, não apenas enquanto efeito ideológico? Pergunta que traz no seu bojo a distinção já comentada. A importância da teoria seria predicada em sua capacidade de pautar diretamente ações coletivas (no sentido de Nunes) na figura de uma forma de unidade de teoria de práxis como queria Anderson? Ou seria ela algo mais difuso, na figura de uma ação agregada, onde, na falta de uma costura efetiva entre a intelectualidade e um movimento de massas, aposte-se em efeitos incrementais e à distância?
Citando uma resposta que Deleuze e Guattari dão à pergunta sobre o que poderia ser um exemplo da revolução molecular propalada por ambos, Nunes propõe a sua distinção:
Assim, por exemplo, a revolução sexual, um bom exemplo do tipo de processo que Gilles Deleuze e Félix Guattari descreveram como “revoluções moleculares”. Uma ampla e constante transformação dos costumes e das relações de gênero, ela produziu mudanças rápidas e fundamentais em um período relativamente curto de tempo entre o final da década de 1950, quando a pílula anticoncepcional começou a tornar-se amplamente disponível, e em meados da década de 1970. As várias modificações que compõem essa transformação mais ampla, acontecendo em várias escalas ao mesmo tempo, muitas vezes não exigia nenhuma deliberação coletiva, nenhum planejamento ou união. Elas se espalharam por diferentes sociedades sem que ninguém tentasse, e muito menos fosse capaz de dirigi-las ou supervisioná-las. A revolução sexual pode assim ser descrita em sua maior parte como o resultado agregado dessas múltiplas pequenas mudanças e, portanto, como exemplo da ação agregada de grandes números de indivíduos.
Em contraste, a ação coletiva propriamente dita se referiria àqueles casos em que as pessoas não apenas se percebem como participantes de uma identidade comum mais ampla – isto é, como pertencente a um sujeito coletivo – mas também se reúnem intencionalmente e se engajam em processos de deliberação, planejamento, avaliação, intervenção e assim por diante.[27]
Levando adiante a teorização sobre a ação combinada do comportamento coletivo e do comportamento agregado, Nunes propõe a ideia de ação distribuída: “o espaço comum no qual a ação coletiva e agregada combina, comunica, relaciona e estabelece ciclos de feedback positivo e negativo entre si”.[28]
Aqui se insinua uma saída do problema: se é objetiva a trava política encontrada naquele momento, é objetiva também a ênfase na tática, sob a condição de que se aposte em uma ação distribuída¸ da qual a prática teórica é parte, que abra caminho em meio à fragmentação vigente. Ação distribuída que, de problema, passa a ser solução, na medida em que comparece como única forma de ação possível na ausência de uma base social organizada. A mesma aposta no componente da ação agregada pode ser verificada no contexto da ação artística, tal como apresentada por Ferro: se a arte não mobiliza a política diretamente enquanto organização de massas, ela contribui com a sua própria política interna em um ecossistema de ações distribuídas com efeitos a médio e longo prazo diferentes na organização da sensibilidade e na possibilidade de um movimento da política por vir. Se este é o caso para a arte e se é imprevisível a influência agregada que que um campo como a filosofia pode desempenhar, torna-se plausível que, ainda que concedamos a anterioridade da prática política sobre a teoria, seus produtos possam vir a serem recuperados por essa mesma prática, participando desta forma na ecologia organizacional pela ação agregada, e não somente pela ação coletiva reivindicada por Anderson.
Sob esse aspecto, é pouco claro em que sentido Arantes poderia considerar manobra diversionista o pensamento oriundo do pós-estruturalismo. Quem fala em diversionismo fala em algo que não seria diversionismo. Já encontramos esse algo antes: o dispositivo da busca pelo “referente real”. Mas quem fala em diversionismo não fala apenas em um erro teórico, mas em uma distração com relação ao que deveria ser feito: ao invés de fazer o que deveria ser feito, o diversionismo orienta para o equívoco, dispersa as energias; engana, apresentando um simulacro como se fosse a coisa real. A relação entre teoria e práxis é colocada, portanto, pela tese do diversionismo. Porém, diferente de Anderson, Arantes não apela explicitamente a uma oportunidade perdida de reunificação de teoria e prática revolucionária no momento 68, afastando-se de uma expectativa, arriscaríamos dizer, que Arantes consideraria “ingênua” de uma ação coletiva, concentrando-se, ao contrário, na denúncia, propriamente intra-teórica, de um mascaramento das condições reais que teriam se impingido sobre a figura do intelectual de época da IF. Assim, se não se trata de apelar ao que deveria estar sendo feito, mas ao que deveria estar sendo pensado, o problema anteriormente proposto da falta de explicitude do aparato conceitual se coloca de forma aguda, na medida em que o critério de adequação do teórico ao real permanece escamoteado, critério este cuja presença mostra a pregnância não apenas do aparecer-como em chave materialista, mas dos veres-como determinados pela lógica empregada. O quadro de referência da IF não permitiria enxergar o que se trata de enxergar.
Mas enxergar não necessariamente é agir. Se Arantes não endossa a tese da reunificação de prática teórica e prática política na chave da ação coletiva no momento em que ela se encontra travada, a aposta se torna em uma espécie de crítica bem-sucedida do status quo. Uma crítica que poderia ser assimilada tanto quanto a própria IF à posição imobilista do intelectual que a performa, no caso, o próprio Arantes. Mas se há uma saída para se defender a IF, há uma saída para se defender Arantes- e sendo esta saída a mesma nos dois casos, é de se perguntar, afora o uso de aparatos teóricos diferentes, e que enseja uma discussão propriamente teórica acerca deles, qual é efetivamente o tipo de ação ensejada por Arantes e que não seja ensejada também pela IF. Trata-se de um problema de participação em processos políticos em momentos de trava real do movimento de massas. Participação que tende a se resolver em formas de ação agregada.
Conteúdo no caso da IF duplicado na prática, portanto: na medida em que a dimensão tática prevalece na crítica às formas centralizadas de controle, a dimensão estratégica permanece em suspenso; relação replicada pela fragmentação da base social que consome esta literatura. Assim, segundo a hipótese que avançamos, poderíamos ler na ênfase na dimensão micropolítica, tática, e pré-figuradora presente no pós-estruturalismo, ainda que com todos os seus limites e exageros, não necessariamente um diversionismo, mas uma tentativa de ganhar agência em um momento em que a transformação global do sistema produtivo se encontra travada. Sua experimentação formal com a escrita teórica procuraria cavar espaços de liberdade por exemplificação, ao mesmo tempo em que sua ênfase temática no molecular contra o molar, na diferença contra a identidade, tematiza esse movimento de constituição local de espaços de liberdade que não necessariamente mascara uma condição, tanto quanto se adapta a ela, enfrentando, ato contínuo, o risco de assimilação. Mas este risco é também presente na organização centralizada, conforme Ross comenta. A sua unilateralidade em prol da tática é efetivamente um limite, mas não é evidente que é limite posto pela teoria, quanto adaptação às novas formas de organização que estariam na ordem do dia.
Se a hipótese de que o problema da IF não é tanto de delírio compensatório e sim de um desenvolvimento adaptativo estiver correta, a denúncia dela aparece como denúncia de uma adaptação que é, portanto, objetiva. A denúncia sub-repticiamente faria uma exigência de uma forma de atuação que não estaria posta pela conjuntura, tornando-se, talvez, ela própria, ideológica.
X.
Sobre isto, concluo com uma anedota. Uma entre muitas vezes vez estive em um colóquio de deleuzianos. Após escutar uma longa exposição sobre a crítica ao molar, a capacidade subversiva do molecular presente em produções artísticas, políticas etc., levanto a mão e pergunto sobre se essa abordagem contempla a possibilidade de transformação global do sistema produtivo. Ao qual fui respondido de forma quase agressiva sobre como eu estava trazendo de volta o molar e a identidade e... Hegel em minha pergunta. E sobre como segundo o aparato deles se tratava de resistir localmente e desenhar linhas de fuga. Eu respondi com outra pergunta: isso aí não é meio “pelego”?
O discurso é de fato suspeito. Mas não porque ele seja sempre mascarador, mas porque ele não diferencia de forma evidente o que é adoção generalizada de uma posição (às vezes apenas por seu caráter sedutor) e adaptação discursiva ao contexto real e, no segundo caso, entre o endosso afirmativo do estado atual de coisas e a homogeneidade calculada entre meio e construção do novo. Isso é evidente em muitos discursos advindos da dita IF. A pergunta que fiz sobre a peleguice do palestrante tem, ela também, os mesmos dois lados. Estou eu demandando algo objetivo em termos de uma ação disponível, mas que está sendo ignorada pelo meu oponente por conta da sedução de um discurso, ou estou eu mesmo tomado por uma fantasia de transformação indisponível no horizonte real?
Uma terceira possibilidade se sugere pela admissão desta impossibilidade ela própria como elemento da teoria. E, neste contexto, o discurso filosofante da IF adquiriria as feições de uma denegação não das possibilidades, mas das impossibilidades colocadas no horizonte. Atitude desencantada que é marca do pensamento de Paulo Arantes desde sempre. Desencantamento este que, se de um lado desconfia da ênfase afirmativa na dimensão local presente nos pensamentos oriundos do arco da Ideologia Francesa, por outro se mostra igualmente desconfiado de soluções “leninistas” destinadas a assumir o controle da energia represada das classes subalternas. O que coloca um imbróglio entre dois extremos que se alternam como oponentes ao pensamento Arantiano: localismo distribuído e universalismo centralista. Cujo saldo torna-se relativamente claro: negação de ambos os pólos, com sustentação de um ímpeto implícito na direção de uma transformação sem nome. Era a hipótese de Safatle acerca de uma crítica à finitude que deve permanecer implícita em Arantes. Mas que também pagava o preço de renunciar aos meios teóricos de fazer passar ao ato esta negatividade, de uma anomia ressentida à emergência de novas condições. Condições que, se não forem o resultado de puro acidente (o que não está excluído de antemão) precisam ser pensadas. Posição negativa, que em seu afã anti-teórico perde de vista uma diferença sutil entre o plano leninista e o vocabulário explicativo subjacente a ambos- plano e a localismo- que aumenta a compreensão dos processos na fabricação de veres-como em contato com as dinâmicas reais de exploração.
Aqui se revela, no bojo do primeiro saldo entre opostos que acabou de se mostrar, qual seja, a sustentação do negativo, um segundo saldo que se liga a conclusões já apresentadas ao longo deste texto: a denegação do papel do framework explicativo, duplicada na ênfase no puramente negativo que apresenta como sem forma, como informe, aquilo que está por vir. A hipótese do quadro de referência lógico escamoteado revela aqui um caminho outro que poderia a teoria crítica tomar: o ponto de vista da busca pelas complexas formas que esse informe pode assumir.[29] Mas se segundo Safatle, o “niilismo verdadeiro” proposto por Arantes é aquele que “implica a tomada de posição que leva o finito a implodir”,[30] e, com ele as categorias de pensamento já postas na gramática da finitude, parafraseando Pierre Boulez que por sua vez parafraseava Antonin Artaud dizendo que aprendera a “organizar o delírio”,[31] dizemos: é preciso organizar o niilismo. Encontrar os níveis de resolução a partir dos quais o campo complicadamente enformado das formações sociais vigentes nos desvende seus segredos e se abram à intervenção. Se o discurso pode sempre mascarar, ele é também inevitável. Se não há mais forma específica que a ação política deve tomar, não cabe determiná-la de antemão, mas encontrar vocabulários, em conexão com práticas efetivas, que forneçam meios de aumentar a compreensão do campo que favoreçam a emergência do novo.
NOTAS
1. Arantes, P. Formação e Desconstrução. Uma visita ao Museu da Ideologia Francesa. Editora 34, São Paulo, 2021, p. 167
2. Zanotti, G. “Na antecâmara da Ideologia Mundial” in: Arantes, P. Formação e Desconstrução. Uma visita ao Museu da Ideologia Francesa. Editora 34, São Paulo, 2021, p. 282
3. Arantes, P. “Fragmentos do intelectual: uma conversa inédita com Paulo Arantes”. Entrevista em Revista Cult no 272 Especial “Paulo Arantes: a teoria crítica em movimento”, p. 12
4. Arantes, P. Formação e Desconstrução, p. 16.
5. PRADO JR. B. “O relativismo como contraponto”. In: Arantes, P. Formação e Desconstrução. Uma visita ao Museu da Ideologia Francesa. Editora 34, São Paulo, 2021, p. 146
6. Idem, p. 151
7. Arantes, P. Formação e Desconstrução, p. 176
8. Safatle, V. Dar corpo ao impossível. O sentido da dialética a partir de Theodor Adorno. São Paulo: Autêntica, 2019, p. 255
9. Safatle, p. 259
10. Formação e Desconstrução. p. 105
11. The given is epistemically independent, that is, whatever positive epistemic status our cognitive encounter with the object has, it does not depend on the epistemic status of any other cognitive state. […] It is epistemically efficacious, that is, it can transmit positive epistemic status to other cognitive states of ours. DeVries, W. Wilfrid Sellars, Montreal, Quebec: McGill-Queens University Press, 2005, pp 98-99
12. Wittgenstein, L. Investigações Filosóficas, São Paulo: Nova Cultural,1999, §217.
13. Ainda que não se deixem reduzir à tese da redescrição ao modo rortyano. Brandom e McDowell têm suas maneiras de resguardar o sucesso representacional no interior de suas posições sellarsianas de esquerda.
14. Esta divisão tem por fundo a dialética entre “imagem manifesta”, fenomenologicamente disponível com ilusão de imediatidade, e “imagem científica”, teoricamente elaborada e conceitualmente incompatível com a imagem manifesta- tal como apresentada em “Philosophy and the Scientific Image of Man” in Sellars, W. Science, Perception, and Reality. New York: Humanities Press, 1963
15. Ferro, S. Artes plásticas e trabalho livre. De Dürer a Velázquez, São Paulo: Editora 34, 2015, p. 11
16. Idem, pp. 1-2
17. Idem, p. 23
18. Nous nous heurtons ici à ce que l’on pourrait appeler avec un rien de provocation l’anti-avant-gardisme d’ Adorno. J’entends par là son attitude de refus face à la tentative entreprise par les avant-gardes pour dissoudre l’art dans la vie quotidienne. Bürger, P. “Pour une critique de l’esthétique idéaliste” in Rochlitz, R. (org.) Théories Esthétiques après Adorno. Actes Sud, 1990, p. 189
19. Sobre este problema, ver o nosso e de Bruno Trochmann “Gato tosco contra tigres de papel”: https://lavrapalavra.com/2020/06/04/gato-tosco-contra-tigres-de-papel/
Texto em que ecoamos o interessante “9.5 teses sobre arte e classe” de Ben Davis, traduzido por Trochmann: https://lavrapalavra.com/2020/06/26/9-5-teses-sobre-arte-e-classe/
20. https://www.youtube.com/watch?v=MLg4aWefa8I , recuperado em 16/11/22
21. SAFATLE, op cit. p. 268
22. Nunes, R. Neither Vertical nor Horizontal: A Theory of Political Organization, Verso Books, 2021.
23. “Thought exclusively in terms of its compatibility with existing conditions, the problem of fitness would correspond to one of its poles: if it is to work, an inflection introduced into a situation must be sufficiently compatible with it. That is, it must be materially feasible, it must be comprehensible and desirable to a large enough number of people that it can produce the desired effects, and so on. This condition establishes a superior threshold: a modulation of collective or aggregate behaviour cannot be too discontinuous with existing conditions, or it will not be viable; if it is too different from the situation it is in, it cannot transform it. The lesson here is simple: not everything is possible at any given time.” (NUNES, op cit. p.)
24. ROSS, K. Maio de 68 e suas repercussões. Edições Sesc São Paulo, 2018, p. 162
25. ROSS, K. p. 108
26. ANDERSON, P. Considerações sobre o Marxismo Ocidental e Nas trilhas do Materialismo Histórico. São Paulo, Boitempo, 2018, p. 162
27. Thus, for instance, the sexual revolution, a good example of the type of process that Gilles Deleuze and Félix Guattari described as ‘molecular revolutions’. A far reaching, ever-unfolding transformation of gender relations and social mores, it produced rapid and fundamental changes in a relatively short period of time between the late 1950s, when the contraceptive pill started becoming widely available, and the mid 1970s. The various modifications that make up this broader shift, happening at various scales at once, often required no collective deliberation, no planning or coming together. They rippled across different societies without anyone taking the time, let alone being able, to direct or oversee them. The sexual revolution can thus be described for the most part as the aggregate result of these manifold small changes, and therefore as an example of the aggregate action of large numbers of individuals.
By contrast, collective action properly speaking would refer to those cases in which people not only perceive themselves as participating in a broader common identity – that is, as belonging to a collective subject – but also intentionally come together and engage in processes of deliberation, planning, assessing, intervening, and so forth. (NUNES, op. cit. p. 23)
28. “the common space in which collective and aggregate action combine, communicate, relate and establish positive and negative feedback loops with one another.” (Idem , p. 26)
29. O coletivo Subconjunto de Prática Teórica insiste, em função desta percepção de um caráter informe do terreno político, em uma tese da multiplicidade política. Em lugar da falta de forma, propõe a multiplicidade de formas, que aparecem de mãos dadas no trecho que se segue, com a tese Arantiana da periferização:
“As we have seen, the peripherization thesis does not state that contemporary capitalism has arrived at a new world stage, but rather that the truth of capitalist sociality has always been in the periphery of the world -system - which is why while advanced capitalist countries face today a destruction of their progressive social conquests, peripheric countries are not essentially transforming their social structures, but rather losing their political reference point in developed capitalist societies. This “uneven and combined apocalypse” suggests that just as the tendency towards social homogeneity revealed itself to be an illusion produced by an exceptional moment in capitalist history, so is the idea that there is a natural tendency towards convergence between different Leftist political processes an effect of the same historical juncture. If there truly is a saturation of the political model built upon modernizing premises, then the first step to develop a political grammar that is native to peripheric conditions is to drop the belief in any underlying common essence to the Left itself.
The political multiplicity thesis might be a polemic idea, but one of its main consequences is to embed the political field back into contemporary social reality. (…) To suppose that there is no necessary unity or convergence between Leftist projects is simply to extend that same task to political life itself - with two useful corollaries: firstly, that our political challenges now potentially resonate with the organizational challenges faced by people everywhere and, secondly, that local political solutions to these challenges might function as models of solutions to structural problems elsewhere.” STP: “Working through political organization: Current results of the Subset of Theoretical Practice (2021-22) In: Crisis & Critique Volume 9 / Issue 2, 25-11-2022 https://www.crisiscritique.org/uploads/25112022/subset-of-theoretical-practice.pdf
30. SAFATLE, p. 265 SAFATLE, p. 265
31. BOULEZ, P. 1966. ≪ Son et verbe ≫ (1958). Relevés l’apprenti. Paris : Seuil.
REFERÊNCIAS
ANDERSON, P. Considerações sobre o Marxismo Ocidental e Nas trilhas do Materialismo Histórico. São Paulo, Boitempo, 2018
ARANTES, P. Formação e Desconstrução. Uma visita ao Museu da Ideologia Francesa. São Paulo: Editora 34, 2021
ARANTES, P. “Fragmentos do intelectual: uma conversa inédita com Paulo Arantes”. Entrevista em Revista Cult edição 272- Especial “Paulo Arantes: a teoria crítica em movimento”. São Paulo, 2021.
BOULEZ, P. 1966. « Son et verbe » (1958). Relevés l’apprenti. Paris : Seuil
BÜRGER, P. “Pour une critique de l’esthétique idéaliste” in Rochlitz, R. (org.) Théories Esthétiques après Adorno. Actes Sud, 1990.
CARON, J.-P. & TROCHMAN, B. “Gato tosco contra tigres de papel” In: https://lavrapalavra.com/2020/06/04/gato-tosco-contra-tigres-de-papel/
DAVIS, B. “9.5 teses sobre arte e classe” In: https://lavrapalavra.com/2020/06/26/9-5-teses-sobre-arte-e-classe/
DEVRIES, W. Wilfrid Sellars, Montreal, Quebec: McGill-Queens University Press, 2005
FERRO, S. Artes plásticas e trabalho livre. De Dürer a Velázquez, São Paulo: Editora 34, 2015
NUNES, R. Neither Vertical nor Horizontal: A Theory of Political Organization, Verso Books, 2021.
PRADO JR. B. “O relativismo como contraponto”. In: Arantes, P. Formação e Desconstrução. Uma visita ao Museu da Ideologia Francesa. Editora 34, São Paulo, 2021
ROSS, K. Maio de 68 e suas repercussões. Edições Sesc São Paulo, 2018Safatle, V. Dar corpo ao impossível. O sentido da dialética a partir de Theodor Adorno. São Paulo: Autêntica, 2019
SELLARS, W. Science, Perception, and Reality. New York: Humanities Press, 1963
SUBSET OF THEORETICAL PRACTICE. “Working through political organization: Current results of the Subset of Theoretical Practice (2021-22) In: Crisis & Critique Volume 9 / Issue 2, 25-11-2022 https://www.crisiscritique.org/uploads/25112022/subset-of-theoretical-practice.pdf
WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas, São Paulo: Nova Cultural,1999
ZANOTTI, G. “Na antecâmara da Ideologia Mundial” in: Arantes, P. Formação e Desconstrução. Uma visita ao Museu da Ideologia Francesa. Editora 34, São Paulo, 2021